Evento discute o universo da música no mundo e ao longo dos tempos
O I Encontro Mídia e Música (MiMu/ UFRB) promovido pelo grupo de pesquisa em Experiência, Comunicação e Audioculturas (ECA) com o objetivo de criar espaço de discussão com quem consome e produz música na região, de reflexão acadêmica e interação com os agente da música no Recôncavo, proporcionou a Cachoeira bons momentos de escuta e troca de experiências.
O evento organizado pelo professor Dr. Jorge Cardoso Filho (CAHL, UFRB e POSCOM, UFBA) começou na terça dia 20, no Auditório do Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL), teve continuidade e término no dia seguinte, na sala de vídeo do CAHL. Além de mesas temáticas, a programação envolveu na noite da segunda o coquetel de lançamento do livro "Práticas de Escuta do Rock: Experiência estética, mediações e materialidades da comunicação" de autoria do organizador do evento, com direito a coffee break no foyer onde a exposição de vinil da Audiophylia* pôde ser saboreada.
Pablo Moura, estudante de Artes Visuais, curtiu a iniciativa, afirmando: “São muito importantes esse eventos que exaltam a arte, seja ela qual for, e quando se trata de vinil, é legal ver que o que antes jogaram fora, agora é ‘cult’, tem espaço mesmo com as outras tecnologias”.
Vínculos afetivos, música e estilo
Na primeira mesa do MiMu, a professora Dra. Renata Pitombo Cidreira (CAHL, UFRB e POSCULT, UFBA) fala de moda e a confluência de estilos. “Moda e música estão sempre juntos, e esse diálogo acontece em vários ‘movimentos de estilo’”. Afirma, ainda, que “na cena Techno-rave, no movimento punk e no hip hop são essenciais a maneira de se vestir”, destacando o lugar do afeto, representada na escolha das peças que vestimos e das escolhas que fazemos e a importância do corpo nesse contexto: “Todos somos afetados e impelidos na dinâmica da afetividade. E todas essas manifestações de afeto se manifestam corporalmente”.
Componente dessa mesa, o integrante do grupo de Rap “Conceito articulado” de Muritiba, Bart Teixeira, que ainda compõe, produz e é coprodutor do “Conceito”, teve sua apresentação marcada pela participação direta do público, através de perguntas acerca do funcionamento da cena Hip Hop de Muritiba, e das articulações que o rapper faz para ajudar a sustentar essa cena. Bart colocou como diferencial do rap feito na região a identidade local: “As músicas que a gente compõe, a gente tenta deixar com cara de Recôncavo, com cara de Bahia. Eu acho que o rap tem essa coisa de se identificar e tentar mostrar quem você é para as pessoas que tem interesse em ouvir. Com essa identidade temos conseguido parceiros na região. A gente não toca no rádio, não toca na TV, mas essa identidade que a gente tenta criar, as pessoas acabam gostando.”
Ele ainda destacou os quatro elementos da cultura Hip Hop e disse como é importante que a pessoa possa amadurecer e refletir a temática que quer expor através dessa cultura, composta pelo Rap (a música), o DJ, o Break (dança) e o grafite (artes plásticas). Sobre as temáticas de suas letras, Barth afirmou se inspirar nas problemáticas das rotinas sociais que de alguma forma o atingem Conta com apoio com editais de fundações públicas para financiar aquilo que faz, mas ainda não consegue sobreviver do que ama: “Alguns artistas pagam pra tocar sua música no rádio, são muito organizados, fazem um trabalho de marketing forte. A gente não paga pra tocar nossa música no rádio. Quando toca, é porque realmente gostam do nosso trabalho”.
Bart faz o trabalho de divulgação através da fanpage do Conceito Articulado no Facebook e através do seu perfil pessoal, mas acredita que a internet distancia as relações interpessoais, então prefere deixar esse trabalho para o parceiro, Bill. O grupo tem na assessoria de imprensa Lorena Morais, estudante de comunicação da UFRB, e já gravou o videoclipe “Axé” em parceria com a universidade. O músico reforça a importância de espaços democráticos de discussão para o desenvolvimento da cena Hip Hop do recôncavo.
Cenas musicais, comunicação e sociabilidades
Alunos da disciplina optativa Comunicação e Sociedade, as graduandas em Jornalismo, Alane Reis e Rose Cerqueira, apresentaram seus trabalhos a respeito da cena musical do pagode e da questão do arrocha como indústria cultural ou cultura popular. Ambas observaram ambientes onde o público costuma “curtir” em Cachoeira, características indumentárias dos músicos e público, além da contextualização histórica dos estilos. Alane analisa as letras de pagode na produção e reprodução das opressões, e observa que existem letras no estilo que defendem uma ideologia positiva e deixa a questão: “Seria um moralismo que faz com que o ritmo seja marginalizado enquanto cantores da mpb, por exemplo, podem falar coisas semelhantes sem que sejam taxadas de ‘baixarias’?”. Rose afirma que arrocha não é indústria cultural por ter criado uma lógica própria de mercado, não sendo refém de grandes produções e investimentos estatais, no entanto, “há de se pensar a classificação do estilo como cultura de massa porque não é feita nos mesmos padrões que o samba de roda, por exemplo.”
Naiara Pinto, também aluna da disciplina optativa, expôs na mesa seu trabalho sobre a cena do rock - o que é produzido e consumido - em Feira de Santana e a economia da cultura, uma vez que a cidade se mantém principalmente pelo comércio e em seus maiores eventos culturais há um espaço privilegiado para o axé e pagode, observando a dificuldade de sobreviver da música no local.
Sobre a dinâmica do evento Rose Cerqueira observa que a função da disciplina optativa é fazer com que o estudante produza aquilo que desperta prazer para além da obrigação das disciplinas e engrandece o MiMu como oportunidade de divulgação de conhecimentos e informações de coisas que são produzidas e muitas vezes ficam guardados, presos nas disciplinas sem maior abrangência.
Bárbara Rocha, componente do núcleo de pesquisa ECA, antecipou sua apresentação do artigo de análise da experiência estética do Acabou Chorare, dos Novos Baianos. A autora observa o contexto da ditadura militar em que o grupo estava inserido representando a contracultura na forma de se comportar fora do que era estabelecido como “padrões” sociais. O grupo marcou a geração de 1970 com estilo de vida alternativo e letras que faziam críticas veladas, por isso não foram exilados com Caetano e Gil. Bárbara conclui a apresentação mostrando por que a obra foi considerada pela Revista Rolling Stones como “o melhor disco da música popular brasileira de todos os tempos”, e revela: “As práticas de escuta são diferentes, mas independente do tempo que distancia, o que define a principal característica da prática de escuta é a tecnologia”.
Estéticas e escutas
Componentes do ECA desde a ideia embrionária do professor Dr. Jorge Cardoso Filho, Celina Pereira e Laís Sousa, apresentam as obras do projeto que fizeram como bolsista e voluntária PIBIC.
Laís Sousa apresentou a obra de título “Retóricas de uma escuta ‘Selvagem?’: o caso dos Paralamas do Sucesso”, na qual analisa através de matrizes culturais, lógica de produção, formatos industriais e competências de recepção, apontando o que fez do disco um destaque na cena musical da década de 1980. A autora diz que para que o trabalho fosse feito, seguiu a linha proposta pelo autor Jesus Martin-Barbero em não reduzir comunicação a um problema de meios tecnológicos, nem à centralização culturalista que assimila cultura de massa como degradação cultural, já que é “possível situar as novidades e transformações que o álbum trouxe para aquela geração numa experiência com dançante, de experimentação do rock com reggae, e letras poéticas”.
Com a obra Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band da banda britânica The Beatles nos anos 1960, Celina Pereira constrói sua apresentação na escuta, construção estética e Uma experiência: “Aquela que faz sentido na vida de quem experimenta” e que conduziu a uma escuta mais aprimorada entre aqueles que estavam preparados para inovação e mais crítica entre os conservadores. O disco que em sua época chocou o público feminino, que esperava a continuidade da “boyband” com estilo de músicas românticas, o disco foi produzido com notável dinamismo de técnicas que faz a autora afirmar que a obra “não seria o que foi se cada componente, inclusive o produtor, não tivesse desempenhado seu papel exatamente como foi, seja o Paul com a preocupação vanguardista e mercadológica, seja o Lenon com a versão mais psicodélica da coisa, seja o produtor induzindo à ponte de exercício produtor-músico e vice-versa”.
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Música, escuta e valor
Finalizando o evento, o professor Dr. Thiago Soares (UFPB) fez uma leitura personalizada de sua visão a respeito das obras que são canonizadas pela dicotomia “inovar-chocar” a sociedade, além de observar ouvintes de rock, os de pop e como se dá a presença ou ausência do vocal, da voz nas músicas e shows.
O professor Dr. Jorge Cardoso Filho finalizou falando do prazer que foi fazer parte desse processo de compartilhamento de informações relacionadas à escuta, aquilo que é ouvido com atenção e daí existe a captação, não como efemeridade, além declarar-se satisfeito com os resultados concretizados do que foi planejado.
Programa Paralelo
O MiMu ocorreu em paralelo ao projeto Audiophylia – que propõe imersão multissensorial nos conceitos e técnicas de (re)produção do suporte sonoro analógico – o disco de vinil através de:
- Programação do I Encontro Mídia e Música (MiMu/ UFRB)
- Diálogos com a Equipe Curatorial do projeto Audiophylia culminando na mesa Redonda “Conceitos e Técnicas de (re)produção do Suporte Sonoro Analógico” com a participação de pesquisadores Marcelo de Almeida (SP); Jorge Cardoso Filho (BA) e Claudio Manoel (BA), ocorrido na noite da terça feira, dia 20.
- Exposição + disco de vinil no foyer do auditório do CAHL até dia 30 de agosto, com mais de 300 capas de discos, dentre títulos lançados entre 1910 e 2010, que traz exemplares originais dos formatos de 35 rpm, 45 rpm e 78 rmp, apresentando um panorama histórico dos registros fonográficos analógicos, desde o período da gravação mecânica à elétrica, do cilindro ao vinil, do fonógrafo de Thomas Edison ao primeiro disco gravado no Brasil, resgatando a memória das Máquinas Falantes: Gramophones, Vitrolas, Radiolas e Toca-Discos e exibindo - em um vídeo-documentário de 1942 - como eram fabricados os discos de 78 Rpm da RCA Victor.
- Oficina de Conservação Preventiva e Reparadora de Acervos Fonográficos por Marcelo de Almeida (SP) e Rita de Cássia Dória (Ba) no laboratório de Conservação e Restauro do CAHL durante a segunda, dia 19.
- Oficina Demonstrativa de Scracth com o soteropolitano DJ Môpa, do coletivo Pragatecno, que de forma gratuita ofereceu 20 vagas, no dia 21, no espaço da Fundação Hansen Bahia, o ensino das noções básicas de manuseio do vinil na picape, com foco nos som arranhado produzido com os movimentos das mãos, para que os participantes pratiquem e aprimorem as técnicas.
- Feira de Disco que permitirá compra, venda e troca de discos de vinil, troca-discos e vitrolas no Pouso da Palavra em Cachoeira/Ba, a partir das 15h do sábado, dia 24 de agosto.
Mais informações: http://www.audiophylia.tk/
Foto 1 – Estudantes de jornalismo apresentam suas pesquisas
Foto 2 – Exposição traz clássicos em vinil
Assessoria de Comunicação do CAHL – ASCOM-CAHL
Professoras orientadoras: Rachel Neuberger, Hérica Lene e Jussara Maia
Técnica-administrativa: Lelia Sampaio
Estudantes de jornalismo: Ana Paula Santos, Drielle Costa, Laís Sousa e Naiara Moura
E-mail para contatos e sugestões: site.cahl@ufrb.edu.br