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A cultura dos povos originários do Brasil

Célia Xakriabá (Foto: Edgar Kanaykõ)

A cultura indígena abarca a produção material e imaterial de inúmeros e distintos povos em todo o Brasil sendo vasta e diversificada. Cultura que é resultado da mistura de vários grupos, dentre eles os povos indígenas - os primeiros habitantes do território nacional. É importante ressaltar que apenas em território nacional existem aproximadamente 230 tribos distintas.

A arte indígena está presente na essência do povo brasileiro, sendo um dos pilares para a cultura do país. Entre eles, destaca-se a importância da música, dança, arte plumária, cestaria, cerâmica, tecelagem e a pintura corporal.

 

 Marajoara

Os marajoaras vieram do noroeste da América do Sul e chegaram à Ilha de Marajó, por volta de 400 d.C. sendo a quarta fase de ocupação da ilha. Na região centro-oeste do local, a qual ocuparam, construíram habitações, cemitérios e locais de ritualísticos.

Sua principal arte era a cerâmica, que podia ser de uso doméstico (para guardar mantimentos, simples e não apresentavam a superfície decorada), cerimonial (uso festivo ou homenagens fúnebres, eram bem decorados, caracterizados por apresentar desenhos, cortes na cerâmica ou em alto relevo), ou funeral (decoradas com desenhos labirínticos).

A cerâmica marajoara foi descoberta em 1871 quando dois pesquisadores visitavam a Ilha de Marajó. Impressionados com o que viram, publicaram um artigo em uma revista científica, revelando ao mundo a então desconhecida cultura marajoara.

Além da cerâmica, os marajoaras produziam bancos, colheres, apitos, adornos para orelha e lábios e estatuetas humanas, que chamam a atenção por serem pouco realistas e mais estilizadas, ou seja, sem preocupação com a fidelidade à realidade.

 *Técnica aplicada pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) permite reconstituir traços das sociedades marajoaras, que se desenvolveram no   norte do Brasil entre os anos 400 e 1.400. Peças históricas podem ser encontradas em Museus nacionas como Museu do Marajó, no Museu Histórico Nacional (RJ), no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP e internacionais como no Museu Americano de História Natural, em Nova York.

 

A aldeia cabe no cocar 

Arte Indígena: A ALDEIA CABE NO COCAR

A disposição e as cores das penas do cocar não são aleatórias. Além de bonito, ele indica a posição de chefe dentro do grupo e simboliza a própria ordenação da vida em uma aldeia Kayapó.

Em forma de arco, uma grande roda a girar entre o presente e o passado. “É uma lógica de manutenção e não de progresso”, explica Luis Donisete Grupioni. A aldeia também é disposta assim. Lá, cada um tem seu lugar e sua função determinados.

A cor mais forte (vermelho) representa a casa dos homens, que fica bem no coração da aldeia. É a “prefeitura” Kayapó, presidida apenas por homens. Aí eles se reúnem diariamente para discutir caçadas, guerras, rituais e confeccionar adornos, como colares e pulseiras.

O amarelo refere-se às casas e às roças, áreas dominadas pelas mulheres. Nesses espaços, elas pintam os corpos dos maridos e dos filhos, plantam, colhem e preparam os alimentos. Esses lugares têm a mesma distância em relação à casa dos homens.

O verde representa as matas, que protegem as aldeias e ao mesmo tempo são a morada dos mortos e dos seres sobrenaturais. São consideradas um lugar perigoso, já que fogem ao controle dos Kayapós.

A arte plumária é apenas um dos exemplos da diversidade cultural indígena.

  

A arte ancestral dos grafismos

Indígena Kayapó integrante do Origens Brasil®

Quando nasce uma criança Kayapó, nasce também uma artista que passa a materializar a arte ancestral dos grafismos de seu povo nos corpos dos filhos, como forma de fazê-los mais pertencentes, mais protegidos e mais bonitos. Integrantes de um povo que adora se enfeitar, as mestras-artesãs Kayapó são grandes guardiãs dos conhecimentos sobre as artes manuais dos mebengêt (os mais velhos).

Os grafismos Kayapó são reconhecidos pela simetria e originalidade de seus traços, desenhados com precisão e delicadeza pelas artesãs. Seja nos corpos pintados com jenipapo, seja no trançado manual de cestarias ou no macramê de pulseiras, brincos e gargantilhas, a arte Kayapó revela o estado de beleza (ou meyx, na língua indígena) como um propósito para a manutenção de suas culturas.

 

Música Indígena

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Kuarup da etnia Yawalapiti, Parque do Xingu (Foto: Issac Amorim/MJ)

A cultura indígena utiliza a música como uma forma de contar suas histórias e lhe atribui poderes mágicos, com os quais são capazes de afetar a ordem cosmológica.
A maior parte dos povos indígenas associa sua música ao universo transcendente e mágico, ou seja, música completamente integrada à sua cosmovisão. A música indígena está fortemente presente nos rituais religiosos, ligados aos mitos fundadores e às tradições dos seus diversos povos. O próprio termo “música” é um conceito ocidental e que geralmente não tem correspondência nas sociedades indígenas. A pesquisadora Marilia Stein afirma que “música e aspectos sonoros da cultura guarani, na prática e no discurso verbal, sempre estão interligados a conceitos ligados à saúde, à cosmologia, à educação e à política”, o que é comum também entre outras etnias indígenas, os tupinambá inclusive.
Os colonizadores portugueses, através dos missionários jesuítas, escolheram de forma inequívoca a via cultural de dominação. A música foi um dos campos de disputa. Impor os cantos religiosos e os autos, ignorarando a música produzida e praticada pelos povos indígenas, fez parte da dominação violenta. Os tupinambás eram um povo guerreiro; aliás, a guerra era um valor central para eles. O elemento de maior prestígio e virtude, para o homem, estava em ser um grande guerreiro. A expedição guerreira era acompanhada de uma comitiva de músicos, com instrumentos musicais e repertório próprio, que objetivavam elevar o moral da tropa tupinambá no momento de partida. O binômio guerra e música era parte de um todo.

Essa é uma demonstração pura de que a cultura sempre foi um elemento de afirmação de identidade e singularidade dos povos. A música, a pintura, a oralidade, a arte como a condição primaz dessa condução.

De igual modo, a dança possui funções similares às da música nas sociedades indígenas. Normalmente, as danças são do tipo circulares, com o intuito de obter colheitas fartas, espantar espíritos malignos, curar doenças, etc.

 

 AIC - Arte indígena contemporânea a bienal dos indios 1024x1024

 Nos 70 anos da Bienal de São Paulo, a mostra privilegiou as artes de povos originários. Entre instalações, performances, pinturas,   esculturas e outras técnicas, artistas como Uýra, Sueli Maxakali, Denilson Baniwa, Gustavo Caboco e Daiara Tukano, Esbell e Ailton   Krenak, demarcam um território ainda hostil e em dívida diante de séculos de apropriação e apagamentos. Enquanto ampliam o   imaginário coletivo sobre outros modos de fazer e de existir, os artistas e demais pensadores que se inserem no AIC, abrem caminho para   novas formas de pensar, produzir e consumir arte a partir de uma perspectiva indígena.

 Em sete décadas, essa edição da Bienal contou com a maior representatividade de artistas indígenas de todas as edições e ainda assim,   estamos falando de apenas 10% do total de artistas selecionados. Um dado interessante para pensar em como a cultura brasileira foi   forjada a partir de narrativas à revelia dos povos indígenas, como pontua o antropólogo e pesquisador Pedro Cesarino. “O que chamamos   de arte sempre foi mobilizado por transferências e sampleagens, e de certa forma, de saques. Os saques dos territórios, dos corpos, das   formas de produção de sentido, dos conhecimentos dos povos indígenas são saques marcados pelo genocídio. Esse genocídio que ocorre   há mais de 500 anos e que continua acontecendo não é somente um genocídio de corpos, é também um genocídio de ideias.”

 Historicamente o sistema da arte opera num registro de saque em relação às populações originárias, reiterando uma pedagogia que afasta o sujeito indígena da produção de filosofias, estéticas e concepções de mundo.

“Nós não somos uma moda, nós não vamos passar no ano que vem. Chegamos definitivamente para tratar das questões de identidade e ir além”, Esbell lança esta flecha como quem ocupa um território simbólico fincando a presença indígena de forma definitiva na arena da arte contemporânea. A fala que materializa a re-existência indígena dialoga com o pensamento filosófico de Krenak no sentido de reverter os rastros do eurocentrismo que se apoderou, ao longos dos séculos, não somente de obras, artefatos e subjetividades indígenas mas também das narrativas que compõem a história da arte.

 

Arte indígena contemporânea: ocupação, provocação ou armadilha?

“Quando fomos provocados a refletir sobre a tal da arte, tivemos que declinar de uma atitude cosmopolítica e fazer um pouco dessa política da cultura. Foi quando a gente foi saber que existia uma coisa que é o sistema da arte. E é claro que a gente não se viu lá dentro.”, aponta Krenak enquanto fala da sua inquietação diante da lógica ocidental que insiste em categorizar o mundo com a pretensão de quem se autoriza a definir aquilo que é ou não é arte, cultura, natureza.

“É totalmente razoável que uma pessoa que lê montanhas, gosta de conversar com rios, que aceita rolar com outros seres, experimentando as corredeiras e com a própria frequência da corredeira, criar canções. [Uma pessoa que] se relaciona com a mãe terra de uma forma tão folgada, tão instintiva e tão espontânea, fique fora dos vocabulários do que chamam de arte.”, provoca Aílton Krenak.

 

FeCCI - Festival de Cinema e Cultura Indígena

O Festival de Cinema e Cultura Indígena (FeCCI) busca levar para a capital do país, Brasília, produções cinematográficas acerca das questões indígenas e sua resistência, promovendo o pensamento e o fortalecimento da cultura originária que os mais de 305 povos existentes no Brasil lutam para preservar. O FeCCI é um dos primeiros festivais nacionais de cinema indígena idealizado por indígenas.

Um festival focado nas histórias de coletivos e realizadores de origem indígena, cujo objetivo é contribuir para a difusão de filmes e da cultura dos povos originários do Brasil, tornando-se, também, um panorama das mais recentes realizações da comunidade criativa.
O FeCCI é composto por uma mostra competitiva e uma mostra paralela, além de sessões online. A programação inteira é gratuita e conta ainda com laboratório de finalização de projetos audiovisuais, um ciclo de rodas de conversa com convidados especiais, masterclass e apresentações culturais que promovem encontros, diálogos e conexões com realizadores, pensadores, artistas e público.

Esse projeto nasceu de um sonho de Takumã Kuikuro, um dos cineastas indígenas mais representativos de sua geração. Há mais de dez anos, ele imaginou um evento em que a cultura e o cinema indígena fossem os protagonistas centrais. Takumã também queria incentivar e reconhecer realizadores com uma premiação, promover encontros e a formação de novos públicos. Há dois anos, Takumã se uniu a um grupo de mulheres produtoras de cultura (A Terrestre) e juntos, conseguiram desenvolver o Festival com recursos do FAC – Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal, da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (SECEC-DF). O sonho de Takumã é um convite para que não deixemos de sonhar. Sonhar, também é um ato de resistência, e quando sonhamos juntos, forma-se uma força coletiva de saberes, relações, fazeres e afetos.

 

Indígenas usam o audiovisual como ferramenta para sair da invisibilidade

 (crédito:  divulgação Instituto Raoni)            Crédito: divulgação Instituto Raoni

 

“Optamos pelo audiovisual, pela comunicação justamente pela invisibilidade, pela falta de informação, pelas fake news e estereótipos que os brancos têm com a gente”, explica o comunicador e ativista Matsi Waura, 28 anos. O projeto culminou no lançamento de uma websérie com sete curtas, chamada Amirin Comunica, que resgata, por meio de entrevistas e cenas do cotidiano, a história e a cultura dos povos indígenas brasileiros. Todas as narrativas são contadas em primeira pessoa pelos próprios produtores ao espectador. A vivência da oficina fez, ainda, nascer um coletivo de comunicadores indígenas, a Comunicativa. “Saímos com o objetivo de fazer um coletivo de comunicadores indígenas para ocupar espaços de artes, de comunicação”, conta Waura.

A produção audiovisual indígena se tornou um importante canal de comunicação dentro das comunidades e ampliou a criação de redes entre as diversas etnias.

A plataforma “Narrativas Indígenas” é uma das ações do projeto de pesquisa “Narrativas, memórias e diálogos interculturais: construindo uma rede audiovisual indígena do Nordeste como estratégia de agroecologia e promoção da saúde para o fortalecimento do SasiSUS nos territórios”, do Programa Inova – Encomendas Estratégicas Saúde Indígena da Fundação Oswaldo Cruz/Fiocruz, Trata-se de um espaço de partilha, cujo objetivo é promover o diálogo intercultural e de visibilidade das lutas por saúde, dignidade, direitos territoriais e preservação da cultura dos povos indígenas. 

 

Coletivo Beture - Cineastas Mẽbêngôkre 

O Coletivo Beture é um movimento dos Mekarõ opodjwyj - cineastas indígenas Mẽbêngôkre-Kayapó das aldeias que fazem parte da Associação Floresta Protegida - AFP.

A juventude Mẽbêngôkre-Kayapó deseja registrar a vida e a cultura de seu povo a través das tecnologias audiovisuais e diversas mídias. Hoje o coletivo desempenha um papel fundamental na conquista de reconhecimento cultural assim como na visibilidade das nossas estruturas políticas. Desde então, formações audiovisuais tem sido realizadas com o objetivo de potencializar as produções do coletivo e ofertar aos cineastas mais conhecimento sobre as técnicas de captação de imagens, de roteirização e edição.

O audiovisual passou a ser um instrumento dos mais potentes para o fortalecimento cultural, os Mẽbêngôkre-Kayapó deixaram de ser apenas objeto de estudo para fazer os seus próprios registros sobre a sua vida, atividades cerimoniais e cotidianas.

O Coletivo Beture oferece uma trajetória para trabalhar com parceiros tanto brasileiros como internacionais que estão interessados em pesquisar e promover o conhecimento sobre o seu povo, aliado ao uso da tecnologia (e.g. Emilio Museum of Pará Goeldi). Alguns dos cineastas indígenas já começaram a trabalhar como instrutores de cinema.

 

Fontes: 

https://site.tucumbrasil.com/a-arte-fortalece-a-luta/ Acesso em 15 Mar 2023.

https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2022-02/conheca-a-diversidade-dos-instrumentos-musicais-da-cultura-indigena Acesso em 16 Mar 2023.

https://www.origensbrasil.org.br/produto.php?qrcode=5180 Acesso em 16 Mar 2023.

http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2008/jusp823/pag09.htm Acesso em 16 Mar 2023.

https://www.ufmg.br/espacodoconhecimento/povos-indigenas-na-internet/ Acesso em 15 Mar 2023.

https://www.todamateria.com.br/arte-indigena-brasileira/ Acesso em 15 Mar 2023.

https://www.todamateria.com.br/cultura-indigena/ Acesso em 16 Mar 2023.

https://portalamazonia.com/estados/para/ceramica-marajoara-arte-que-resiste-ao-tempo / Acesso em 21 Mar 2023.

https://blog.stoodi.com.br/blog/historia/cultura-indigena/ Acesso em 21 Mar 2023.

https://www.culturagenial.com/arte-indigena/ Acesso em 21 Mar 2023.

https://florestaprotegida.org.br/projetos/coletivo-beture-cineastas-mebengokre / Acesso em 21 Mar 2023.

https://site.tucumbrasil.com/a-arte-fortalece-a-luta/ Acesso em 30 Mar 2023.

IMBROISI, Margaret; MARTINS, Simone. Arte Indígena. História das Artes, 2023. Disponível em: <https://www.historiadasartes.com/nobrasil/arte-indigena/>. Acesso em 16 Mar 2023.

http://www.jaideresbell.com.br/site/2020/07/09/a-arte-indigena-contemporanea-como-armadilha-para-armadilhas/ Acesso em 31 Mar 2023.

https://narrativasindigenas.ensp.fiocruz.br/mostra-maraca/ Acesso em 31 Mar 2023.

https://fecci.com.br/o-festival/  Acesso em 31 Mar 2023.

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