Texto de Nina Rahe
Em 2018, quando Eduarda Gama Canto e Andressa dos Prazeres buscavam patrocínio para lançar o primeiro livro de Tianalva Silva, Entre o Rio e a Praça, as duas perceberam que o esforço todo que estavam fazendo para viabilizar a impressão e a circulação do livro seria em vão se nomes como o da escritora cachoeirana continuassem desconhecidos na cena literária. Foi a partir dessa percepção que elas começaram a articular o programa de rádio De Hoje a Oito, vencedor do 3o Prêmio seLecT de Arte e Educação na categoria Formador – o nome do projeto se deve à expressão popular na cidade de Cachoeira (BA) para se referir à semana que vem.
Eduarda, que é estudante de artes na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), e Andressa, pesquisadora e roteirista com formação em letras pela USP, juntaram-se também Letícia Catete, formada em letras pela UFRJ, Edelsio Lima, estudante de artes na UFRB, e o designer Danilo Amaral. “Todos nós temos esse fio de relação com a literatura. A gente lê bastante, escreve também e tem episódios, inclusive, em que colocamos escritos nossos”, diz Eduarda Gama Canto.
Sem contar com nenhum tipo de verba, os cinco conseguiram tirar a ideia do papel por meio de uma parceria com a rádio-poste Olha a Pititinga. O programa literário passou a ir ao ar todas as quintas-feiras, às 17h45, durante os 15 minutos que antecediam a transmissão da Ave Maria. O desafio foi pensar em como atrair o público para algo que seria transmitido no meio da cidade e ouvido por pessoas em trânsito, que estariam saindo do trabalho, desmontando a feira ou esperando para se reunir nos bares com os amigos. “Nossa primeira percepção foi de que não dava para fazer um programa muito longo e pesado porque ninguém iria ouvir”, diz Eduarda. “Queríamos construir um conteúdo mais dinâmico e fomos elencando o que seria importante, como saber como era o processo criativo de cada autor, além de leituras textuais com interações sonoras.”
Fora do Cânone
Os 28 episódios que foram ao ar, de acordo com os idealizadores, “priorizavam a literatura fora do eixo geográfico, racial e econômico canonizado pela elite intelectual que consagra sempre as mesmas narrativas de masculinidade, branquitude e classe média urbana”. Um dos episódios, dedicado ao escritor David Nunes, contou com a leitura do conto Um Malê na Vida, uma história de uma família negra e suas estratégias de superação da morte. Outro trouxe as histórias de Orixás contadas pelo artista Bule-Bule em versos de cordel.
O projeto, que começou apenas na rádio-poste, logo passou a ser disponibilizado em formato podcast – todos estão no Spotify –, mas sua produção acabou consumindo também muito da equipe. Sem recursos, os integrantes precisavam se desdobrar entre a paixão pelo De Hoje a Oito e outros empregos e atividades, o que fez com que o programa fosse interrompido no segundo semestre de 2019. “Fazíamos por amor porque ninguém tirava um centavo. Era cada um da sua casa, todo mundo com computadores ruins. Teve épocas que a gente conseguiu parceria com estúdios, mas era apenas quando eles tinham tempo para a gente”, diz Eduarda.
Agora, com o reconhecimento do Prêmio seLecT, a ideia é garantir a compra de equipamentos que permitam a continuidade do programa, além de alguma remuneração para os envolvidos. “Vai ser interessante retomar o projeto porque a gente tem muita coisa dentro da gaveta, planos de episódios que não demos continuidade porque estava difícil trabalhar sem ganhar nada”, conclui a estudante.
O Prêmio seLecT de Arte e Educação é promovido pela revista seLecT desde 2017 com o objetivo de valorizar escolas, instituições de arte, espaços de ensino, projetos artísticos colaborativos e iniciativas inovadoras que favoreçam os diálogos e os vínculos entre arte e educação. A terceira edição teve correalização do Itaú Cultural, apoio da galeria Almeida e Dale, e parceria da galeria A Gentil Carioca e da Arapuru London Dry Gin.
Fonte: SeLecT